IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, enfrentou os primeiros grandes protestos contra seu governo desde que a Rússia invadiu seu país em 24 de fevereiro de 2022. Manifestantes foram às ruas em diversas cidades para reclamar do fim da independência dos dois principais órgãos de investigação de corrupção do país.
A pressão parece ter dado certo, e Zelenski anunciou nesta quarta-feira (23) que a medida será novamente enviada ao Parlamento, que a havia aprovado na véspera por 263 de 450 votos, “com garantias para as agências” envolvidas. Só que isso não demoveu os manifestantes, que voltaram a protestar à noite.
O líder havia sancionado a lei subordinando ao Executivo o início de apurações contra autoridades. “A infraestrutura anticorrupção foi desmantelada”, disse o chefe do Escritório Nacional Anticorrupção, conhecido pela sigla ucraniana Nabu, Semen Krivonos.
Ele estava ao lado do outro afetado pela medida, o procurador-geral anticorrupção Oleksandr Klimenko. O Nabu, órgão criado com ajuda do FMI em 2015, vinha sendo criticado pelo governo por suspeita de relações com políticos pró-Rússia.
Zelenski havia defendido a medida, afirmando que nada mudaria no combate às irregularidades no país. Quando o fez, em rede nacional na noite de terça-feira (22), milhares de pessoas estavam nas ruas protestando -um feito especialmente notável dado que quando o sol se põe o terror dos ataques aéreos russos costuma irromper. Eles foram menos intensos nesta madrugada.
Ainda assim, cerca de 1.500 pessoas foram para o centro de Kiev, e números algo menores em Lviv, Karkhiv, Dnipro, Odessa e algumas cidades menores. Segundo o relato de um jornalista local à reportagem, a sensação foi de catarse, dado o incômodo com os rumos da administração, que acaba de ter seus principais nomes trocados.
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, participou da manifestação. Ele já teve desentendimentos anteriores com Zelenski, que acaba de nomear uma nova primeira-ministra e um novo ministro da Defesa.
Havia cartazes e slogans pedindo que Zelenski vetasse a medida, mas também crítica diretas ao presidente, chamado por alguns de demônio e corrupto. A mídia local também fez críticas. O jornal Kyiv Independent publicou um editorial afirmando que Zelenski estava traindo a democracia ucraniana e o motivo pelo qual as pessoas lutam.
Na manhã desta quarta, Zelenski reuniu-se com autoridades e ativistas e havia prometido um novo plano contra a corrupção. “Nós ouvimos o que a sociedade está dizendo. Nós vemos o que o povo espera das instituições do Estado”, afirmou, prometendo reforçar os órgão que a lei subordinou ao Executivo. Mais tarde, no seu pronunciamento noturno, anunciou que devolveria a lei ao Parlamento.
Mesmo assim, imagens sugeriam milhares de pessoas novamente na capital e em cidades importantes do país, apesar dos riscos de ataque aéreo.
A mídia russa, claro, referiu-se aos protestos como uma prova de que a Ucrânia não quer mais a guerra. Se há fastio evidente com o conflito, isso não transpareceu nas imagens e relatos disponíveis dos protestos. O foco era a corrupção, o que de todo modo não ajuda um governo em guerra e num momento de avanços em solo dos russos.
“Nós temos um inimigo. Portanto, vale a pena resolver as contradições internas por meio do diálogo aberto para alcançar um objetivo único comum: defender nosso país”, postou no Telegram o popular chefe do serviço de inteligência militar HUR, Kirilo Budanov, sem citar especificamente a lei.
O tema é espinhoso, dada a reputação péssima de Kiev. Em 2023, pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outros centros apontou que quase 80% dos ucranianos culpavam o presidente pela corrupção no governo.
As tentativas de governos pró-Ocidente de aderir à União Europeia sempre esbarraram na questão da baixa transparência na Ucrânia. A guerra trouxe boa vontade óbvia em Bruxelas, e novos contatos foram abertos.
A nova lei foi mal recebida, contudo. “O desmantelamento de salvaguardas vitais para a independência do Nabu é um sério passo para trás”, postou no X a eslovena Marta Kos, comissária europeia de Ampliação, responsável pelos processos de adesão de novos membros no clube hoje com 27 integrantes.
A UE é, como entidade, a segunda maior doadora de ajuda à Ucrânia na guerra, tendo enviado R$ 380 bilhões até abril em apoio financeiro -os EUA são os maiores parceiros. Kos ligou para debater o tema com a primeira-ministra Iulia Sviridenko, que assumiu na semana passada.
Outras entidades, como o escritório anticorrupção do G7 e a Transparência Internacional, disseram estar preocupados com a natureza da nova legislação. Já a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou nota dizendo que os investimentos externos na Ucrânia serão prejudicados pela medida.
Leia Também: Rússia e Ucrânia concordam em seguir discordando sobre paz
Deixe um comentário