As telecomunicações foram privatizadas em 1998. Mas, 27 anos depois, a Telebras segue viva. Escapou de ser privatizada no governo de Jair Bolsonaro (PL) e agora, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), trabalha para aumentar o número de cargos de indicação política de 56 para 88. Em 2024, a estatal teve resultado deficitário — um prejuízo de R$ 256 milhões.
Vinculada ao Ministério das Comunicações, a empresa é presidida desde maio por André Leandro Magalhães, um gestor público com experiência na área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). A indicação veio do União Brasil, partido com forte influência sobre a estatal, mas pode ter entrado até mesmo na cota pessoal de um dos políticos mais influentes da legenda: o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Alcolumbre foi responsável pela indicação do presidente anterior da Telebras, Frederico de Siqueira Filho, para o cargo de ministro das Comunicações, em abril. Com a mudança de Siqueira Filho da estatal para o ministério, André Magalhães assumiu a empresa.
A ida de Siqueira Filho para a pasta, não sem um certo mal-estar com o governo, ocorreu após o pedido de demissão de outro integrante do União Brasil, o ex-ministro e deputado federal Juscelino Filho (União-MA). O deputado se afastou da autarquia por ter sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República por suspeita de desvio de recursos de emendas parlamentares.
O aumento no número de cargos com indicação política, no entanto, é anterior a essa dança das cadeiras e já foi aprovada pelos conselhos fiscal e de administração da Telebras, com o aval dos comitês de auditoria e de pessoas.
Mudança elevaria a 19% os cargos comissionados na Telebras
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a criação dos postos custará R$ 12,3 milhões à estatal. Além disso, iria na contramão de decisões judiciais. O Ministério Público do Trabalho moveu uma ação civil pública contra a empresa, que foi condenada em primeira e segunda instâncias a reverter a política de substituição de funcionários concursados por comissionados.
Segundo os tribunais, a nomeação de cargos comissionados pela estatal não cumpriu a lei, que determina que indicações políticas somente devem ser feitas para cargos de assessoramento, chefia e direção. A ação aguarda julgamento no TST.
Telebras afirma que seguirá decisões judiciais
Em resposta à Gazeta do Povo, a Telebras afirmou que o objetivo da reestruturação é alinhar o quadro funcional às “atribuições crescentes” da estatal, especialmente na execução de políticas públicas de inclusão digital e fornecimento de soluções tecnológicas ao Estado.
A companhia ainda disse que está ampliando sua carteira de clientes públicos — como INSS, Datasus, Ministério do Trabalho, Iphan, ANM, ICMBio, Inmet e TJMG —, o que traz a necessidade de um corpo técnico compatível com essas demandas.
Em relação aos cargos comissionados, a empresa afirmou que a proposta está em fase de análise e seguirá rigorosamente a legislação e as decisões judiciais pertinentes.
Ao justificar a necessidade de novas contratações, a estatal também afirmou que, após convocação de aprovados em concurso, algumas áreas estratégicas — como finanças, engenharia elétrica, de redes e telecomunicações — já não têm mais candidatos no cadastro de reserva.
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Transformar funções de confiança em cargos comissionados
A proposta da companhia seria transformar todas as funções de confiança — que, a princípio, só devem ser ocupadas por servidores de carreira — em cargos comissionados, com a indicação de funcionários efetivos para 40% delas. As vagas remanescentes, 88 no total, poderiam ser designadas para indicações políticas.
No início de maio, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), vinculada ao Ministério da Gestão, classificou a medida como “temerária”.
De acordo com a secretaria, caso a proposta vigore, os cargos comissionados responderão por 19% do quadro total de funcionários da empresa. Na média, o percentual das estatais é de 5%. O parecer da Sest, no entanto, é de caráter consultivo.
Segundo a Telebras, em abril a Sest autorizou o aumento do limite de pessoal próprio da companhia de 400 para 435 vagas, todas preenchidas por concurso público. A medida teria atendido a estudos técnicos e jurídicos que apontaram para a necessidade de ampliação do quadro.
A estatal ainda informou que sua proposta de reestruturação organizacional visa “recompor sua capacidade estratégica, fragilizada por anos de desmobilização durante tentativas de privatização”.
Lula reativou a Telebras em 2010
Até a década de 1990, as telecomunicações eram monopólio estatal no Brasil, centrado na Telebras. A partir de 1995, no entanto, reformas na legislação possibilitaram que o mercado fosse aberto à iniciativa privada.
Assim, em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Telebras e suas subsidiárias foram leiloadas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Até aquele momento, a estatal detinha o controle dos serviços de telecomunicações no país, incluindo telefonia fixa, celular e serviços de transmissão de dados.
Mesmo após a privatização das telecomunicações, a companhia continuou existindo, ainda que sem operação. Seus papéis seguiram listados na Bolsa, com valores baixos.
Em 2010, uma reviravolta. No último ano de seu segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu reativar a estatal, como uma sociedade de economia mista — com capital parte público e parte privado.
A iniciativa integrava o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que visava levar internet de alta velocidade a regiões remotas. Mesmo 15 anos depois, esse segue sendo um dos objetivos da Telebras, além de atender às demandas de conexão da Administração Pública.
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Reativação da Telebras levantou suspeitas de favorecimento
Pouco antes do anúncio de reativação, os papéis da empresa, que ficaram desvalorizados por anos, tiveram grande valorização, o que levantou suspeitas sobre vazamentos de dentro do governo. À época, Lula negou tudo e afirmou que diversas empresas haviam se valorizado durante o seu mandato.
“Olha, primeiro não saiu informação de dentro do governo. No meu governo as ações de todas as empresas cresceram. Se a CVM entende que houve o vazamento e por isso alguém foi privilegiado, aí cabe a investigação. Agora que ela vai crescer, vai. Porque nós vamos recuperar a Telebras. Porque nós vamos utilizá-la para fazer banda larga nesse país”, disse Lula.
O governo Bolsonaro chegou a incluir a Telebras na lista de empresas a serem privatizadas, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O processo, porém, não avançou. E, como ocorreu com outras estatais, ela foi retirada da lista de privatizações depois que Lula voltou à Presidência da República.
À Gazeta do Povo, a Telebras afirmou que passa por uma recuperação institucional desde 2023. Segundo informou a companhia, em 2024, o resultado do exercício subiu 47,7% e a capacidade de caixa aumentou 57,6%, sendo que o Ebitda recorrente — os lucros antes de incidir os juros, impostos, depreciações e amortizações — cresceu 55% (R$ 288 milhões).
“Em comparação com a gestão anterior, houve redução de 60,5% no prejuízo, crescimento de 20,6% no caixa e alta de 66% no Ebitda”, disse em nota. A empresa, contudo, não comentou sobre o resultado deficitário de R$ 256 milhões.
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