Economia

Revisão da Moody’s acaba com sonho do grau de investimento

Ficou mais distante o sonho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de coroar o governo com a recuperação do grau de investimento. Ao revisar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de “positiva” para “estável”, a agência de classificação de risco Moody’s – a mais otimista com o país – esfriou as expectativas do governo de reconquistar o “selo de bom pagador”.

As notas das agências traduzem a capacidade de uma instituição ou país pagar suas dívidas. Podem ir de AAA (o famoso triple A), para os melhores colocados, a D, para os países em situação de inadimplência.

Apesar da mudança na perspectiva, a Moody’s mantém a nota do país em Ba1 — posição mais favorável do que as atribuídas pelas outras duas principais agências, S&P Global Ratings e Fitch Ratings, que classificam o país com nota BB, dois degraus abaixo do grau de investimento. A mudança de perspectiva, no entanto, traduz a piora das expectativas.

A decisão da agência não surpreendeu o mercado financeiro. A Moody’s era a mais confiante em relação ao Brasil desde outubro de 2024, quando elevou o rating acima de suas concorrentes. Na ocasião, Lula e Haddad haviam aproveitado a viagem à Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para visitar pessoalmente executivos das três agências e apresentar o plano fiscal do governo.

Num esforço descrito por críticos como uma “busca desesperada por alguma notícia boa na economia”, o governo promoveu encontros com representantes de Moody’s, S&P e Fitch. Haddad recebeu a incumbência direta do presidente de apresentar um cronograma concreto para recuperar o grau de investimento. O ministro, alinhado a Lula, sustentou o otimismo aos executivos.

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Uma semana após os encontros no centro financeiro de Manhattan, veio a decisão da Moody’s de melhorar a nota do Brasil de Ba2 para Ba1, mantendo a perspectiva “positiva”. O gesto deu fôlego às ambições do governo, por deixar o país a um passo de reconquistar o selo de credibilidade.

Ao elevar o rating, a agência elogiou os esforços para enfrentar a rigidez orçamentária e fortalecer a credibilidade fiscal. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo na época, a avaliação da Moody’s era “precipitada” e “inconsistente”. O erro da aposta ficou evidente agora, com a própria agência reconhecendo que o ritmo do ajuste fiscal ficou aquém do necessário.

No comunicado de revisão, a agência passou a projetar que a dívida pública brasileira deve se estabilizar em torno de 88% do PIB nos próximos cinco anos — bem acima da projeção anterior, de 82%. O salto foi atribuído principalmente a “juros maiores do que o esperado” e ao “enfraquecimento da trajetória de consolidação fiscal”.

Para o economista Silvio Campos Neto, da Consultoria Tendências, a decisão representa uma correção de rota: “Na verdade, essa decisão corrige um pouco de um exagero que a agência cometeu recentemente, quando promoveu uma elevação do rating e, mais ainda, quando colocou a perspectiva como positiva, num contexto em que todo mundo sabe das fragilidades e dos problemas estruturais que o Brasil tem, principalmente em relação às contas públicas”, avalia.

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Moody’s recalculou risco fiscal

A revisão da perspectiva pela Moody’s ocorre em meio a uma conjuntura de deterioração econômica e desgaste do presidente Lula e seu ministro da Fazenda. O governo enfrenta a resistência no Congresso contra o decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com o objetivo de arrecadar R$ 20 bilhões neste ano e R$ 40 bilhões em 2026 para cumprir a meta fiscal.

A inflação continua resiliente, com previsão de fechar o ano em 5,46%, segundo o último Boletim Focus do Banco Central – bem acima do teto da meta, que é de 4,5%. Para a taxa de juros, as apostas são de que ficará até dezembro nos atuais 14,75% ao ano, o maior nível em quase duas décadas. O Produto Interno Bruto (PIB) tende a desacelerar, com projeção mediana de 2,13%, após quatro anos crescendo 3% ou mais. Além disso, o ponto médio das expectativas do mercado financeiro indica que a dívida pública deve chegar à casa dos 90% do PIB até o fim da década.

Para Campos Neto, a Moody’s ainda foi generosa com o Brasil: “A correção está um pouco otimista com as perspectivas, considerando todo o cenário”, diz. Ele aponta que, na elevação da nota do ano passado, a agência tinha se respaldado na resiliência do crescimento do país. Desta vez, o fator fiscal foi decisivo. “O Brasil tem uma relação dívida/PIB muito alta, com tendência de alta nos próximos anos, além de um déficit elevado.”

Isso evidencia as dificuldades do governo em avançar com medidas estruturais. “Temos um orçamento extremamente engessado”, afirma. “Mais de 95% do orçamento está comprometido com despesas obrigatórias e há uma percepção clara de insustentabilidade fiscal.”

Para Pedro Da Matta, CEO da Audax Capital, a revisão da Moody’s traduz “a incerteza fiscal persistente e os riscos de execução das políticas econômicas”. Ele reconhece avanços na arrecadação, mas ressalta que o déficit primário elevado e a trajetória da dívida seguem como “grandes entraves”.

Pedro Ros, CEO da Referência Capital, diz que o governo carece de “compromisso real com responsabilidade fiscal” e que a instabilidade política afeta a percepção de risco. “O rating ainda capta a falta de previsibilidade e o cenário de endividamento público, que pressionam a capacidade de pagamento”, explica.

“Esse movimento também está ligado ao ambiente político, que, em parte, gera desconfiança no mercado internacional quanto ao compromisso do governo com reformas.”

Grau de investimento é sonho antigo

Lula tem uma razão histórica para alimentar a esperança de reconquista: o Brasil adquiriu o grau de investimento em 2008, durante seu segundo mandato, conferido pela S&P. A decisão foi seguida pelas outras duas grandes agências: Fitch, no mês seguinte, e Moody’s, em setembro de 2009.

Essa vitória, no entanto, foi revertida menos de uma década depois, em meio ao que analistas chamam de “descalabro dilmista”. A S&P retirou o grau de investimento do Brasil em 2015, no segundo governo Dilma Rousseff (PT), em meio ao grave contexto de deterioração fiscal. A Fitch cortou o grau de investimento no mesmo ano e fez novo rebaixamento em 2018. A Moody’s retirou o carimbo de bom pagador do Brasil em 2016.

Economistas apontam, no entanto, notórias diferenças entre o cenário que favoreceu a conquista e a conjuntura atual. Em 2008, o país mantinha algum compromisso com o tripé macroeconômico — câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal — e surfava o entusiasmo da descoberta do pré-sal. Hoje, o Brasil se assemelha mais ao período em que perdeu o grau de investimento.

Para Da Matta, reverter as expectativas das agências exigiria um pacote robusto de medidas: consolidação fiscal, flexibilização orçamentária, previsibilidade regulatória e disciplina nos gastos.

“O governo demonstra disposição política para discutir medidas fiscais, mas ainda carece de articulação e execução que convençam investidores e agências de rating de que o Brasil está no caminho certo”, afirma. “O legado da recuperação do grau de investimentos permanece um desafio.”

Para Ros, existe uma pressão política “muito forte” por aumento de gastos e políticas de transferência de renda, que acabam “limitando a margem de manobra do governo para avançar de forma mais consistente em reformas que reduzam o risco fiscal”. “Vejo uma disposição mista do governo. De um lado, há discursos e algumas ações. De outro, incertezas sobre a implementação efetiva das medidas necessárias”, pondera.

Silvio Campos Neto é enfático ao projetar que, até o fim de 2026, é “altamente improvável” qualquer chance de recuperação da nota — ou mesmo avanço — em qualquer das três agências. Segundo ele, medidas estruturais fundamentais, como rever regras de reajuste do salário mínimo, pisos constitucionais de saúde e educação ou vinculações de benefícios ao mínimo não estão no horizonte do atual governo, sobretudo com a proximidade das eleições.

“Só a partir de 2027, com um novo governo, se houver avanço nessas reformas estruturais, aí sim podemos começar a falar em recuperação de nota”, afirma. “Mas apenas se houver mudanças profundas. Nesse momento, não há nenhuma possibilidade de o grau de investimento acontecer. Esse objetivo ficou para trás.”

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