Meio ambiente
Redação do Site Inovação Tecnológica – 18/11/2025
Os átomos de ferro formam uma estrutura hexagonal compacta rígida, com um subconjunto deles apresentando movimento coletivo. Dentro dessa rede de ferro, alguns elementos (intersticiais) difundem-se livremente, como em um líquido, enquanto outros (substitucionais) permanecem confinados como em um sólido. Consequentemente, o núcleo interno da Terra existe em um estado híbrido entre sólido e líquido.
[Imagem: Yuqian Huang et al. – 10.1093/nsr/nwaf419]
Núcleo sólido ou líquido?
As teorias geológicas propõem o seguinte: Sob o núcleo externo fundido da Terra encontra-se um coração sólido, conhecido como núcleo interno, uma esfera de liga de ferro e elementos químicos mais leves, comprimida sob mais de 3,3 milhões de atmosferas e aquecida a temperaturas similares às da superfície do Sol.
Esta descrição serve muito bem aos modelos do magnetismo terrestre, mas também traz dificuldades, com os dados mostrando que, ainda que seja sólido, o núcleo interno se comporta como um metal macio, retardando as ondas sísmicas de cisalhamento e apresentando uma razão de Poisson (o quanto um material estreita ou alarga na direção transversal quando é esticado ou comprimido por uma força) mais semelhante à da manteiga do que à do aço.
Essa aparente contradição – um centro sólido do planeta que é, ao mesmo tempo, rígido e macio – tem levado à construção de teorias alternativas, por exemplo, a de que o núcleo da Terra pode não ser sólido e estar mudando de formato.
Yuqian Huang e colegas da Universidade Sichuan, na China, acreditam ter encontrado uma explicação melhor e mais simples, salvando tanto o potencial explicativo da teoria atual quanto as observações sismológicas.
A proposta é que o núcleo interno da Terra não é um sólido típico – ele existe em um estado superiônico, no qual elementos químicos mais leves fluem como líquido através de uma estrutura sólida de ferro. A mesma equipe já havia proposto anteriormente que o núcleo da Terra é superiônico, mas agora eles passaram das simulações computacionais para a demonstração experimental, comprovando sua ideia inicial.

Fase superiônica
Os experimentos feitos pela equipe comprovam que, sob pressões e temperaturas extremas, as ligas de ferro-carbono se transformam em uma fase superiônica. Nesse estado, os átomos de carbono se movem rapidamente através da estrutura cristalina do ferro sólido, amolecendo-a drasticamente.
“Pela primeira vez, demonstramos experimentalmente que a liga ferro-carbono, nas condições do núcleo interno, apresenta uma velocidade de cisalhamento notavelmente baixa,” disse o professor Youjun Zhang. “Nesse estado, os átomos de carbono tornam-se altamente móveis, difundindo-se pela estrutura cristalina do ferro como crianças dançando em uma quadrilha, enquanto o próprio ferro permanece sólido e ordenado. Essa chamada ‘fase superiônica’ reduz drasticamente a rigidez da liga.”
A comprovação experimental direta utilizou uma plataforma de compressão por choque dinâmico. A equipe acelerou amostras de ferro-carbono a velocidades de 7 quilômetros por segundo, criando pressões de até 140 gigapascais e temperaturas próximas a 2600 kelvin – condições semelhantes às do núcleo interno da Terra.
Combinando medições in situ da velocidade do som com simulações avançadas de dinâmica molecular, os cientistas observaram uma queda acentuada na velocidade das ondas de cisalhamento e um pico na razão de Poisson, correspondendo aos sinais sísmicos “suaves” detectados nas profundezas da Terra. Em escala atômica, os resultados revelaram átomos de carbono deslizando livremente pela estrutura cristalina do ferro, enfraquecendo sua rigidez sem destruir sua estrutura.

[Imagem: Yu He et al. – 10.1038/s41586-021-04361-x]
Um núcleo dinâmico com impacto global
O modelo superiônico do núcleo central da Terra explica não apenas as propriedades sísmicas intrigantes do núcleo, mas também abre novas perspectivas sobre a dinâmica interna da Terra. O movimento de elementos leves pode ajudar a explicar, por exemplo, a anisotropia sísmica – variações na velocidade das ondas dependendo da direção. Os estudos sobre o campo magnético da Terra também terão que levar em conta esses novos dados.
“A difusão atômica no núcleo interno representa uma fonte de energia anteriormente negligenciada para o geodínamo,” disse Huang. “Além do calor e da convecção composicional, o movimento fluido de elementos leves pode ajudar a alimentar o motor magnético da Terra.”
No geral, esta descoberta sinaliza uma mudança na forma como os cientistas veem o centro da Terra. “Estamos nos afastando de um modelo estático e rígido do núcleo interno em direção a um modelo dinâmico,” resumiu Zhang.
Além da Terra, a descoberta de uma fase superiônica também poderá ajudar a estudar a evolução magnética e térmica de outros planetas rochosos e exoplanetas.
Artigo: Experimental evidence for superionic Fe-C alloy revealed by shear softening in Earths inner core
Autores: Yuqian Huang, Yu He, Youjun Zhang, Jun Li, Long Hao, Bo Gan, Gang Jiang, Qiang Wu, Ho-kwang Mao
Revista: National Science Review
DOI: 10.1093/nsr/nwaf419
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