Economia

inquéritos apuram golpes bilionários pelo Brasil

Desde sua criação em abril de 2020, o aplicativo Caixa Tem — desenvolvido pela Caixa Econômica Federal para pagar Auxílio Emergencial, Bolsa Família, seguro-desemprego e liberar saques de FGTS — se transformou também no alvo preferencial de quadrilhas especializadas em fraudes digitais. Segundo dados preliminares da Polícia Federal (PF), R$ 2 bilhões teriam sido desviados em cinco anos. Mas o rombo pode ser muito maior. A PF quer saber se um golpe está sendo replicado pelo Brasil e se mais cifras bilionárias foram parar nas mãos dos golpistas.

Criminosos ofereciam propina a funcionários da Caixa e de casas lotéricas para obter dados pessoais de beneficiários e sacar indevidamente os valores. Fontes ligadas à PF afirmam à Gazeta do Povo que o mesmo modo de operação já foi identificado em pelo menos três estados: São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Relatórios preliminares apontam para estruturas locais de recrutamento de “testas de ferro” e servidores bancários dispostos a receber propina. Pelo menos três novos inquéritos já estão sendo instaurados para apurar irregularidades.

O delegado da PF Pedro Bloomfield Gama Silva alertou para indícios de atuação coordenada em outras unidades federativas, especialmente em estados onde o Caixa Tem possui alta movimentação. “Esperamos que novas frentes sejam abertas ainda neste semestre”, alertou.

Em nota oficial, a Caixa ressaltou que monitora continuamente seus produtos, serviços e transações bancárias para identificar padrões atípicos e minimizar fraudes. A instituição afirma atuar em conjunto com órgãos de segurança pública, repassando informações de forma sigilosa às autoridades.

A Caixa disse ainda que há compromisso do banco em aprimorar critérios de segurança, investir em tecnologias de biometria e inteligência artificial, e cooperar com a PF e demais órgãos para coibir desvios.

Esquema de desvio bilionário começou a ser desvendado pelo Rio de Janeiro

O esquema começou a ser desvendado com a operação Farra Brasil 14, deflagrada em abril no Rio de Janeiro. Ela indicou com detalhes o funcionamento do esquema e aponta que as investigações se estenderão a outros estados nos próximos meses.

O Caixa Tem foi lançado às pressas para operacionalizar o pagamento do Auxílio Emergencial durante a pandemia de Covid-19. Com cerca de 100 milhões de usuários cadastrados, tornou-se uma “poupança social digital”, permitindo saques, transferências via Pix e compras por meio de cartão virtual. Porém, a própria popularidade abriu brechas, como a coleta massiva de CPFs e dados pessoais.

As investigações iniciais revelaram que uma organização criminosa reunia listas com milhares de CPFs de beneficiários ativos em programas sociais, FGTS e seguro-desemprego. Segundo a PF, as informações costumam vazar em outras fraudes e, conforme depoimentos colhidos pelos investigadores, os dados eram comprados ou obtidos mediante propina a funcionários da Caixa e lotéricas.

Esse é o segundo escândalo com desvio bilionário envolvendo órgãos públicos federais descoberto nos últimos meses. A PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram em outra operação, também em abril, um esquema que pode ter descontado indevidamente R$ 6,3 bilhões de aposentados do INSS de 2019 a 2024. Os descontos eram realizados sem o conhecimento e consentimento da maioria dos beneficiários.

Sindicatos e associações tiveram convênios cortados após a operação, porém, isso ocorreu somente dois anos após o Ministério da Previdência ter sido alertado para as irregularidades ainda em 2023. Agora o caso também deve ser apurado por uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI), no Congresso Nacional.

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Polícia Federal investiga envolvimento de servidores da Caixa e funcionários de lotéricas

Assim como as investigações no caso do INSS indicam que pode haver o envolvimento de servidores da pasta, o golpe aplicado no Caixa Tem dependia, em partes, da cooptação de servidores públicos do banco e funcionários de casas lotéricas. O inquérito inicial aponta que suspeitos repassavam desde senhas, até códigos de segurança e detalhes dos dispositivos móveis cadastrados — elementos cruciais para violar o acesso ao aplicativo.

Com as credenciais em mãos, os golpistas utilizavam softwares que emulam smartphones em computadores. Dessa forma, faziam centenas de tentativas diárias de login, simulam cliques e saques de valores baixos (em geral abaixo dos limites diários), evitando bloqueios automáticos. A soma desses micropagamentos, porém, resultava em prejuízos bilionários e ainda imensuráveis.

Só após as fraudes identificadas pelas vítimas — que recorriam às agências ou ao canal de contestação da Caixa —, então, o banco bloqueava os aplicativos e iniciava perícias internas. Até abril eram quase 750 mil processos de contestação registrados, o que gerou cerca de R$ 2 bilhões em ressarcimentos, mas as investigações apontam que o volume pode ser muito maior.

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Investigação iniciou com equipe de Repressão a Fraudes Bancárias Eletrônicas da PF

Comandada pela Coordenação de Repressão a Fraudes Bancárias Eletrônicas da Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos da PF, a operação de abril seria apenas a ponta do iceberg.

Na ocasião foram cumpridos 23 mandados de busca e apreensão em Niterói, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Macaé e Rio das Ostras. O objetivo agora é entender se há ramificações e mapear quadrilhas independentes que agiam ou agem com o mesmo modus operandi.

Por enquanto foram aplicadas medidas cautelares contra 16 investigados, entre prisão domiciliar e proibição de acesso a sistemas bancários. Até o momento, a PF aprendeu 20 celulares, seis notebooks e dois veículos utilizados no golpe, além de documentos diversos.

Os investigados poderão responder por organização criminosa, furto qualificado, corrupção ativa e passiva e inserção de dados falsos em sistemas de informação, com penas que chegam a 40 anos de reclusão.

Segundo o especialista em cibersegurança Luan Monteiro, riscos para fraudes como essa deveriam estar sempre no radar de instituições como a Caixa. Ele sugere a implementação de autenticação multifator reforçada com reconhecimento facial ou biometria.

“Além disso, há a necessidade de monitoramento preditivo de transações usando inteligência artificial para identificar anomalias em tempo real. A Caixa também deveria promover um fortalecimento de canais de denúncia e capacitação de funcionários em lotéricas e agências assim como promover campanhas de orientação aos beneficiários sobre cuidados ao usar o aplicativo e jamais compartilhar senhas”, salienta Monteiro.

O especialista afirma que o golpe do Caixa Tem pode ter sido replicado em todos os cantos do país e acabou expondo mais uma vulnerabilidade, já que considerando esse aplicativo da Caixa é a maior plataforma de pagamentos sociais do país.

“Apesar do ressarcimento bilionário, o custo social e o desgaste para milhares de famílias são incalculáveis. Com a PF ampliando as investigações e a Caixa investindo em segurança, espera-se que nos próximos meses haja desdobramentos em diferentes regiões, desarticulando grupos que exploram a pobreza alheia para enriquecer”, afirma Monteiro.

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Leia na integra a Nota da Caixa Econômica Federal

A Caixa informa que atua conjuntamente com os órgãos de segurança pública nas investigações e operações que combatem fraudes e golpes. Tais informações são consideradas sigilosas e repassadas exclusivamente à Polícia Federal e demais órgãos competentes, para análise e investigação. 

O banco ressalta que monitora ininterruptamente seus produtos, serviços e transações bancárias para identificar e investigar casos suspeitos. Adicionalmente, a Caixa esclarece que possui estratégia e procedimentos de segurança para a proteção dos dados e operações de seus clientes e dispõe de tecnologias e equipes especializadas para garantir segurança aos seus processos e canais de atendimento.

Veja o passo a passo de como operava o esquema criminoso:

  • Formação de organização criminosa:
    Um grupo estruturado atuava em fraudes envolvendo o aplicativo Caixa Tem.
  • Cooptação de funcionários:
    O grupo cooptava (convencia) funcionários da Caixa Econômica Federal e de Lotéricas, oferecendo propina para que eles ajudassem nas fraudes.
  • Acesso às contas sociais:
    Esses funcionários facilitavam o acesso ilegal dos criminosos às contas sociais de beneficiários do Governo Federal (como Auxílio Emergencial, FGTS e Seguro Desemprego).
  • Desvio de valores:
    Após o acesso, os criminosos sacavam ou transferiam o dinheiro das vítimas.
  • Alcance das fraudes:
    Desde a criação do Caixa Tem, em abril de 2020, a Caixa registrou cerca de 749 mil processos de contestação e já precisou ressarcir aproximadamente 2 bilhões de reais por fraudes.

Como o esquema foi descoberto:

  • Auxílio interno da Caixa Econômica:
    As investigações contaram com o apoio da Centralizadora Nacional de Segurança e Prevenção a Fraude (CEFRA) e da Corregedoria Regional do Rio de Janeiro, órgãos internos da Caixa.
  • Monitoramento das fraudes:
    A grande quantidade de contestação de benefícios chamou a atenção para a possibilidade de esquema criminoso.
  • Investigação da Polícia Federal:
    Após investigação, a Operação Farra Brasil 14 foi deflagrada na manhã do dia 15 de abril de 2025.
  • Mandados e medidas judiciais:
    Foram cumpridos 23 mandados de busca e apreensão em várias cidades do Rio de Janeiro (Niterói, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Macaé e Rio das Ostras) e aplicadas medidas cautelares contra 16 investigados.
  • Crimes investigados:
    Os envolvidos podem responder por organização criminosa, furto qualificado, corrupção ativa e passiva e inserção de dados falsos em sistemas de informação.

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