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Como sabemos do que o Sol é feito, se ninguém nunca foi até lá?

Recentemente, um vídeo no TikTok chamou atenção ao questionar algo que, à primeira vista, pode parecer lógico: “Como alguém pode saber do que o Sol é feito, se ninguém nunca foi até lá para coletar uma amostra?” A pergunta revela uma dúvida comum: como é possível fazer ciência sobre algo tão distante, que não podemos tocar?

Esse tipo de questionamento, longe de ser ingênuo, toca em um ponto central sobre como o conhecimento científico é construído, especialmente em áreas como a Astronomia, que estuda fenômenos distantes da realidade cotidiana. E a resposta não tem nada de mágica ou de chute, mas muito de ciência, luz e criatividade humana.

A luz como fonte de informação

Apesar de ninguém ter pousado no Sol – o que é fisicamente impossível -, conseguimos saber bastante sobre ele analisando a luz que emite. Isaac Newton mostrou que a luz poderia ser dividida em diferentes feixes com um prisma. A radiação solar é composta tanto por luz visível, como por ondas invisíveis ao olho humano, como o ultravioleta e o infravermelho. Ao passar por prismas, essa luz se decompõe, como num arco-íris, em padrões chamados espectros de faixas luminosas.

Cada elemento químico, ao ser aquecido ou irradiado com luz, emite luz com padrões específicos de faixas coloridas, uma espécie de impressão digital luminosa. Esta impressão digital pode ser estudada por um equipamento chamado espectroscópio. Logo, espectros da luz solar, foram comparados com espectros medidos em laboratórios, revelando primeiro a presença do hidrogênio. Em 1868, a análise de um eclipse permitiu identificar um novo elemento até então desconhecido na Terra: o hélio, batizado em homenagem a Hélios, o deus do Sol na mitologia grega. Hoje é sabido que o hélio é o segundo elemento mais abundante do Universo.

Evolução para instrumentos de alta precisão

Atualmente, os espectrômetros são muito sofisticados. Usam componentes eletrônicos que permitem detectar variações sutis nos espectros da luz. Com isso, conseguimos identificar quantidades menores de elementos presentes no Sol, mesmo estando a cerca de 150 milhões de quilômetros de distância.

Esses dados vêm tanto de radiotelescópios terrestres, que funcionam como “olhos” gigantes apontados para o Universo, ou por sondas lançadas ao espaço, como a Sonda Solar Parker, da NASA, que se aproximou das camadas externas do Sol. A composição química do Sol, conhecida atualmente, é de aproximadamente 74,9% de hidrogênio, 23,8% de hélio e uma pequena fração de outros elementos, como oxigênio, carbono, ferro e nitrogênio.

Relevância de conhecermos o Sol

Além da curiosidade científica, saber a composição do Sol nos ajudou a entender como ele gera energia: pela fusão nuclear. No caso das estrelas, os núcleos de átomos leves de hidrogênio se fundem formando hélio e liberando enormes quantidades de energia. Esse mesmo princípio é hoje estudado como uma possível fonte limpa e abundante de energia aqui na Terra.

Monitorar o Sol tem implicações diretas para nossa vida cotidiana. Ele passa por ciclos de atividade, e, em certos momentos, ocorrem explosões solares que lançam partículas altamente energéticas no espaço. Quando atingem a Terra, além das lindas auroras geradas nos polos do planeta, elas podem danificar sistemas de comunicação, como satélites, GPS e causar apagões. Portanto, antecipar essas tempestades solares nos ajuda a proteger nossa infraestrutura tecnológica.

O Sol emite constantemente partículas energéticas, o chamado “vento solar“. Este vento solar afeta a segurança de astronautas, atmosferas planetárias e a composição química de cometas. Se a Terra não tivesse um campo magnético protetor, toda nossa atmosfera teria sido destruída pelo vento solar, assim como ocorre com Marte.

Além disso, os equipamentos usados nessas análises, como os espectrômetros e câmeras de alta precisão, também são usados em inúmeras outras aplicações. Por exemplo, na caracterização da superfície de catalisadores, até a detecção de poluentes no ar em tempo real.

Pesquisas brasileiras nessa área

Pesquisadores brasileiros têm feito contribuições importantes para entendermos a química do espaço. Na PUC-Rio, por exemplo, os laboratórios de Espectrometria de Massa de Macromoléculas e do Acelerador Van de Graaff simulam, em pequena escala, condições extremas do ambiente espacial.

Neles, os cientistas recriam o que acontece com blocos de gelo e poeira — semelhantes aos encontrados em cometas ou luas geladas — quando expostos à radiação e ao bombardeio por partículas de alta energia, como elétrons, fótons e íons, que são átomos ou moléculas com carga elétrica.

As reações químicas que ocorrem nesses experimentos controlados levam à formação de moléculas complexas. Com isso, é possível prever que tipos de compostos podem existir no espaço, como eles influenciam atmosferas planetárias, ambientes de demais corpos celestes e até identificar possíveis marcadores que possam indicar existência de vida fora da Terra.

O céu não é o limite

Portanto, saber do que o Sol é feito, mesmo sem nunca ter ido até lá, não é mágica nem chute: é ciência. É resultado de séculos de observações cuidadosas, perguntas bem formuladas, desenvolvimento de instrumentos cada vez mais precisos e verificações cuidadosas, para revelar o que está muito além do nosso alcance físico.

Dúvidas como a levantada no TikTok podem ser valiosas quando partem do ponto de vista da curiosidade, com cuidado para não recair em argumentos anti-científicos. A ciência avança observando (até mesmo o céu), testando, simulando e comparando. Não precisamos “ir até o Sol” para compreendê-lo. Precisamos, sim, de instrumentos sofisticados, cérebros curiosos e uma sociedade disposta a ouvir e entender o que a ciência faz.

A divulgação deste artigo contou com o apoio da Capes (Coordenação de Pessoal de Nível Superior) e da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).

*Leonardo Baptista, professor associado, UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Ricardo Rodrigues de Oliveira Junior, professor do Departamento de Físico-Química, do Instituto de Química, UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Este artigo é republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original aqui.



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