SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto luta para reverter o fracasso até aqui para acabar com as guerras na Ucrânia e em Gaza, Donald Trump conseguirá um insperado sucesso no campo da pacificação nesta sexta-feira (8), promovendo um acordo para pôr fim ao conflito de três décadas entre Armênia e Azerbaijão.
De quebra, ele driblou Vladimir Putin, ao inserir o protagonismo americano no sul do Cáucaso, uma região historicamente dominada pela Rússia -com um desafio crescente da Turquia, aliada de Baku na disputa com Ierevan nos últimos anos.
Na Casa Branca, Trump recebe o premiê armênio, Nikol Pashinyan, e o autocrático presidente azeri, Ilham Aliyev. Pelo acordo a ser assinado, ambos os países vão trabalhar para normalizar ao máximo as relações, com as bênçãos econômicas dos Estados Unidos.
Pelo texto, será enfim estabelecido um corredor entre o encrave azeri de Nakhchivan, espremido entre Armênia, Turquia e Irã, e o território principal do Azerbaijão. Ele será operado por empresas americanas sob supervisão armênia, facilitando o trânsito comercial na região como um todo.
O corredor era a principal pendência entre os rivais vizinhos, que desde o fim da União Soviética da qual faziam parte em 1991 travaram uma disputa sangrenta pelo controle de pedaços da colcha de retalhos étnica deixada para trás pelo império comunista.
Antes, o foco de crise era uma região com cerca de 150 mil armênios étnicos no coração do Azerbaijão chamada Nagorno-Karabakh, o Artsakh na língua local. De 1992 a 1994, uma guerra estourou acerca do controle da área, e foi vencida por Ierevan.
Escaramuças se tornaram uma constante. Em duas guerras, uma em 2020 e outra, relâmpago e vitoriosa em 2023, os azeris tomaram para si a área historicamente dos vizinhos. Ao todo, contando uma fase prévia de insurgência guerrilheira antes do ocaso soviético, quase 50 mil pessoas morreram nos embates -cerca de 8.000 nas edições recentes.
Os moradores do local foram obrigados a fugir pelas montanhas da região, num processo de limpeza étnica que foi convenientemente esquecido pelos envolvidos na paz desta sexta. Desde janeiro de 2024, a autodenominada República de Artsakh já não existia legalmente.
Para Pashinyan, a abertura americana é uma oportunidade para provar sua retórica de independência de Moscou, que permaneceu como patrocinadora política, militar e econômica da Armênia. A maior base estrangeira da Rússia fica no país.
Com Putin atolado na questão ucraniana, a Turquia avançou no Cáucaso com o apoio a Baku. A ofensiva de 2023 em Nagorno-Karabakh ainda foi uma derrota ocidental, que buscava manter o status quo, e teve o OK do Kremlin, dado o fato consumado.
Agora, Trump vira o jogo e completa o serviço de forma surpreendente, dado que historicamente os americanos não tinham envolvimento sério na região.
A perda de influência russa é um processo inexorável desde a invasão da Ucrânia, em 2022. Quando os turcos apoiaram de forma decisiva rebeldes islâmicos a derrubar a ditadura de Bashar al-Assad na Síria, no fim do ano passado, Putin nada pôde fazer -em 2015, sua intervenção na guerra civil do país árabe foi vital para a sobrevivência do regime aliado.
O pé americano na Armênia, se não for mais um fogo de palha estratégico da Casa Branca de Trump, dá aos EUA uma posição privilegiada numa região coalhada de oleodutos, gasodutos e rivalidades.
Como é usual, o presidente deixará uma marca personalista na iniciativa. O corredor a ser operado pelos americanos ligando Nakhchivan, república autônoma com 75 mil habitantes, ao Azerbaijão, será chamado Tripp (sigla inglesa para Rota Trump para Paz e Prosperidade Internacionais).
O próximo passo americano é atrair Baku para os chamados Acordos de Abraão, a iniciativa do primeiro mandato de Trump de normalizar relações entre Israel e o mundo islâmico sunita, em oposição aos xiitas do Irã.
O Azerbaijão tem ótimas relações com Tel Aviv, sendo um dos principais fornecedores de petróleo do Estado judeu, recebendo em troca armas sofisticadas que ajudaram a derrotar a Armênia. Mas sua inclusão formal na coalizão muçulmana em paz com os israelenses poderia ampliar a atratividade do arranjo, ora travado devido à guerra em Gaza.
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