SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Palestinos famintos e desarmados foram “abatidos a tiros como se fossem animais”, muitas vezes enquanto estavam confinados em áreas com portões de metal, durante tentativa de obter alimentos distribuídos pela Fundação Humanitária de Gaza (FHG), aponta relatório divulgado nesta quinta-feira (7) pela Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Os casos de violência configuram, segundo o documento, assassinatos orquestrados. A MSF não diz que as Forças Armadas de Israel foram diretamente responsáveis pelas mortes, mas relaciona a atuação da FHG, uma controversa organização apoiada por Tel Aviv e pelos Estados Unidos, aos episódios. A ONU afirmou que soldados israelenses já mataram mais de 1.300 palestinos que buscavam ajuda.
Entre as vítimas tratadas pelo MSF estão crianças, mulheres e idosos que, de acordo com um ex-funcionário da FHG mencionado pela organização de saúde, afastavam-se do local de forma lenta, sem representar qualquer risco a terceiros.
“Crianças foram baleadas no peito enquanto tentavam conseguir comida. Pessoas foram esmagadas ou sufocadas durante os tumultos. Multidões inteiras acabaram mortas a tiros em pontos de distribuição [de ajuda]”, afirma Raquel Ayora, diretora-geral da MSF. “Em quase 54 anos de operações, raramente vimos tais níveis de violência sistemática contra civis desarmados.”
O posicionamento, com tom duro, é incomum devido ao princípio de neutralidade da organização, mesmo em situações de conflito. Intitulado “Não é ajuda, é um massacre orquestrado”, o relatório defende o fim imediato do esquema de distribuição da FHG, que constitui, ainda segundo a MSF, uma prática desumana.
Com base em dados médicos, relatos de pacientes e testemunhos de profissionais da MSF, o documento detalha casos de violência. De 7 de junho a 24 de julho de 2025, as clínicas da organização humanitária em Al-Mawasi e Al-Attar, próximas aos centros da FHG no sul da Faixa de Gaza, receberam 1.380 vítimas, incluindo 28 que chegaram aos centros da MSF já sem vida. Das vítimas, 71 eram crianças e adolescentes que foram baleados, sendo 25 deles com menos de 15 anos.
As lesões registradas apontam para uma violência deliberada. Em Al-Mawasi, 11% dos pacientes tinham ferimentos na cabeça e no pescoço, e 19% no tórax, abdômen e costas. Já nos centros de Khan Yunis, os tiros atingiram com mais frequência os membros inferiores.
“A precisão anatômica desses ferimentos sugere fortemente ataques intencionais a pessoas dentro dos locais de distribuição, não disparos acidentais ou indiscriminados”, afirma trecho do relatório.
Ainda segundo o documento, a FHG funciona como um esquema militarizado, com todos os seus centros localizados em áreas sob controle total das forças israelenses e protegidos por seguranças privados armados, contratados por empresas americanas.
São infundados, portanto, os argumentos mencionados por Israel e pelos EUA de que a fundação é necessária para contornar o sistema operado pela ONU e, assim, evitar roubos do Hamas, acrescenta a MSF.
A substituição do sistema de ajuda coordenado pela ONU por esse modelo ocorreu em maio, após decisão das autoridades israelenses. A MSF afirma que a FHG institucionaliza uma política de fome imposta por Israel desde 2 de março, quando foi iniciado um cerco total à Faixa de Gaza -parte do que a organização humanitária considera uma campanha genocida.
Além da violência armada, os centros da FHG também são marcados por tumultos, pisoteamentos e saques. Entre os 196 pacientes tratados com ferimentos decorrentes de aglomerações, estavam um menino de cinco anos com trauma grave na cabeça e uma mulher que morreu asfixiada.
Os números diferem dos apresentados pelas Nações Unidas, que falam em mais de 1.300 pessoas mortas por Israel enquanto tentavam obter ajuda em Gaza, a maioria perto das instalações da FHG. A MSF, contudo, ressalta no relatório que tratou diretamente apenas uma fração do número total de pessoas feridas nesses locais.
A FHG nega que tenha havido incidentes mortais em seus centros e diz que os mais letais ocorreram perto de outros comboios de ajuda. Já os soldados israelenses afirmam ter disparado tiros de advertência contra pessoas que se aproximavam de forma ameaçadora.
A MSF, por sua vez, exige a suspensão imediata do apoio político e financeiro à FHG e a restauração da coordenação humanitária por meio das Nações Unidas. “Os locais de distribuição da FHG, que se apresentam como de ajuda, transformaram-se num laboratório de crueldade”, afirma Ayora. “Isto precisa acabar agora.”
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