Um relatório elaborado pelo Conselho Empresarial do Brics(Cebrics), orgão oficial de representação do setor privado dos países-membros, identificou 24 barreiras não tarifárias que dificultam o comércio entre os países do bloco formado por economias emergentes. O levantamento aponta obstáculos regulatórios, sanitários, técnicos, aduaneiros e administrativos que afetam as exportações e as importações.
Desde o início do terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta no reforço das relações econômicas e de negócios com os países do bloco. Ao todo, 11 compõem o Brics: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita, Indonésia e Emirados Árabes Unidos.
Eles respondem por cerca de 40% do PIB global e por quase um quarto do comércio mundial de bens. Em 2023, o comércio intrabloco do Brics movimentou US$ 1,1 trilhão.
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A Índia apresenta o maior número de barreiras (10), seguida pela China (9), Rússia (5) e Brasil (3) — veja os entraves de cada país no fim desta reportagem. Para o Brasil, o relatório aponta burocracia nos processos de importação de equipamentos portuários, incertezas no acesso a biossimilares e dificuldades na harmonização de certificações ambientais.
O documento ainda atribuiu peso especial aos entraves chineses, que se destacam pela complexidade regulatória e pelo alto impacto sobre setores estratégicos, como biotecnologia, tecnologia da informação, logística e propriedade intelectual.
A obrigatoriedade de testes em animais para cosméticos importados, demoras na aprovação de biotecnologias agrícolas (com prazos médios de quatro a cinco anos) e burocracia na certificação compulsória (CCC) para eletrônicos e maquinários são alguns dos obstáculos encontrados na China.
Ao reforçar negócios com Brics, Lula se aproxima mais de regimes autoritários
A estratégia do governo petista coloca o país mais próximo de regimes autoritários. Dos 11 países que compõem os BRICS, sete – o Rússia, China, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã – são considerados ditaduras pelo pelo Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit (EIU), divisão de análise da revista britânica The Economist.
O volume de transações comerciais (soma de exportações e importações) entre o Brasil e esses sete países aumentou de US$ 181,9 bilhões em 2022 — ano anterior à posse de Lula — para US$ 190 bilhões em 2024, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
A participação desses países no comércio total brasileiro subiu de 30% para 31,7% no período, impulsionada principalmente pela China, principal destino das commodities agrícolas e minerais do Brasil.
A opção brasileira pela proximidade comercial a essas nações se justifica por alguns fatores, dentre os quais a priorização dos interesses econômicos frente à natureza dos regimes, a relevância crescente dos BRICe de regimes autoritários no comércio internacional.
Neste fim de semana, o Brasil foi sede do evento mais importante do bloco, a Cúpula dos BRICS. Pela primeira vez em uma década, o ditador chinês, Xi Jinping, não compareceu pessoalmente ao evento. Vladimir Putin, o autocrata russo, também não esteve presente, devido ao risco de ser preso, com base em uma ordem internacional de prisão.
Trump ameaça retaliar países do Brics que usarem moedas locais em negócios entre si
Um dos pontos da declaração final da Cúpula dos Brics causou reações no governo americano. O documento destacou o compromisso com o uso de moedas locais nas transações entre os membros, ou seja, a desdolarização em suas trocas comerciais.
“Devemos continuar expandindo o uso de moedas locais. A criação de um sistema independente de liquidação e depósito do Brics tornará as transações cambiais mais rápidas, eficientes e seguras”, disse Putin.
Lula também defendeu uma “nova fórmula”. “Se a gente não encontrar uma nova fórmula, a gente vai terminar o século 21 igual a gente começou o século 20. E isso não será benéfico para a humanidade”.
O presidente dos EUA, Donald Trump, já se manifestou sobre a proposta. Ainda na noite de domingo, disse em seu perfil na Truth Social que qualquer país que tentasse se alinhar às políticas “antiamericanas do Brics” terá uma tarifa adicional de 10%. “Não haverá exceções para essa política”, afirmou o presidente americano.
Anteriormente, Trump havia ameaçado sobretaxar em 100% as exportações do bloco para o mercado americano caso os integrantes optassem pela criação de uma moeda dos BRICS ou substituíssem o dólar por outra moeda no comércio intrabloco.
Em resposta, nesta segunda-feira (7), Lula disse que o mundo não precisa de um “imperador”, ao dizer que não é correto a estratégia de Trump de fazer alguns anúncios via redes sociais.
As principais barreiras que os países do Brics estabelecem ao comércio exterior
Índia
- Regras rígidas de rotulagem para alimentos, cosméticos e produtos industriais, que geram altos custos e atrasos.
- Barreiras sanitárias que afetam a entrada de maçãs, peras e alho da China, com restrições vigentes desde 2014 e 2017.
- Obrigatoriedade de certificações locais para produtos químicos e para o setor têxtil, com rejeição de certificações internacionais.
- Política de preços e subsídios para o setor de açúcar, que gera distorções no mercado global.
- Restrições a serviços jurídicos e aplicação de testes de necessidade econômica (Economic Needs Test) para diversos setores, como varejo, saúde e serviços profissionais.
China
- Obrigatoriedade de testes em animais para cosméticos importados, prática já abolida em mercados como UE e Índia.
- Demoras na aprovação de biotecnologias agrícolas, com prazos médios de 4 a 5 anos, o que afeta a comercialização de commodities como soja e milho.
- Exigências de certificação compulsória (CCC) para eletrônicos e maquinários industriais, mesmo quando já certificados internacionalmente.
- Burocracia na certificação de produtos químicos e barreiras logísticas para equipamentos portuários, com prazos que impactam até 10 dias nas operações.
- Dificuldades na proteção de propriedade intelectual no setor de tecnologia e software, devido a padrões técnicos fragmentados.
Rússia
- Restrições em serviços técnicos e de consultoria, incluindo exigências locais que impactam a entrada de empresas estrangeiras.
- Exigências específicas para softwares, IA e cibersegurança, com barreiras relacionadas a certificações e propriedade intelectual.
- Regras de conteúdo local em compras governamentais, principalmente em setores como defesa, tecnologia e energia.
África do Sul
- Imposição de critérios de conteúdo local em compras públicas, que afetam setores como energia, defesa e infraestrutura.
- Exigência de certificações locais para produtos, mesmo quando já certificados por padrões internacionais.
- Restrições à entrada de serviços jurídicos e aplicação de testes de necessidade econômica, semelhantes às práticas adotadas na Índia.
Brasil
- Burocracia nos processos de importação de equipamentos portuários, com exigência de inspeções que podem gerar atrasos médios de 7 a 10 dias.
- Incertezas no acesso a biossimilares devido a procedimentos regulatórios complexos e sobreposição de patentes.
- Dificuldades associadas à falta de harmonização nas certificações ambientais (green goods) e nos padrões de sustentabilidade.
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