A derrota do governo na votação do projeto que susta o aumento do Imposto sobre Operações Financeira (IOF), ocorrida nesta quarta-feira (25), é avaliada como resultado do imbróglio envolvendo a liberação das emendas parlamentares e a aliança entre Executivo e Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema. O texto que derrubou o decreto do governo foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 383 votos a favor e 98 contra.
Após aprovação na Câmara, a proposta foi encaminhada e aprovada no Senado Federal. O texto foi citado de forma simbólica, quando não é necessário registrar votos. Apenas a bancada do PT e o senador Weverton (PDT) votaram contra.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o governo federal enfrenta uma crise profunda, marcada por baixa popularidade, dificuldades de articulação política e perda de prestígio internacional. Segundo ele, a reação do Congresso à proposta de aumento do IOF é um reflexo direto desse cenário.
“O governo está numa crise danada. Ele está com a popularidade muito baixa, sem prestígio internacional”, afirmou. Cerqueira destacou que a articulação política, especialmente na Câmara dos Deputados, está longe do esperado. “O governo depende muito desses recursos extras para tentar fechar de uma forma menos vexaminosa o ano fiscal”, explicou.
Cerqueira também apontou que a estratégia do governo de pressionar parlamentares por meio das emendas não está surtindo efeito. “Essa estratégia de tentar sufocar financeiramente os parlamentares com a questão das emendas não funciona”, disse. Para ele, os partidos estão mais independentes, com acesso ao fundo partidário e eleitoral, e não se contentam mais com cargos: “Eles estão atrás de poder mesmo, inclusive federal, e sabem responder à altura”.
Insatisfação de parlamentares e crise das emendas motivam votação contra decreto do IOF no Congresso
Motta havia anunciado a convocação para essa votação na madrugada desta quarta-feira (25), em uma publicação no “X”. A relatoria foi entregue ao deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO). A ação pegou o governo de surpresa.
Em 16 de junho, os deputados aprovaram, por 346 votos a 97, o requerimento de urgência para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubava a medida do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Motta pautou a urgência depois de o Executivo publicar uma medida provisória que aumentou mais impostos e um decreto que revogou parte do reajuste do IOF, mas não sua totalidade. Houve insatisfação no Congresso com a medida.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a trabalhar favoravelmente para que a medida fosse mantida, mas os congressistas se mostraram irritados com a demora na liberação das emendas, o que forçou Motta a pressionar o Palácio do Planalto.
O governo, por outro lado, se defende das alegações ao afirmar que em 2025 os recursos foram liberados de forma mais rápida. Segundo a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), nos 50 dias úteis após a sanção do Orçamento, o governo pagou R$ 408 milhões neste ano em emendas, o equivalente a 1,78% do total. No ano passado, o mesmo período teve 0,35% de liberação de emendas, e em 2023, 0,61%. Veja abaixo os dados divulgados pela secretaria.
Antes da decisão de Motta, o Palácio do Planalto havia empenhado, na segunda-feira (23), R$ 897,7 milhões em emendas parlamentares, valor que subiu para R$ 1,72 bilhões nesta terça (24). O volume, no entanto, não foi suficiente para garantir uma reviravolta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na esteira dos números, a ministra Gleisi Hoffmann, da SRI, chegou a afirmar que derrubada do decreto de IOF pode afetar liberação de emendas. “A derrubada dessa medida exigiria novos bloqueios e contingenciamentos no Orçamento, prejudicando programas sociais e investimentos importantes para o país, afetando inclusive a execução das emendas parlamentares. É hora de pensar primeiro no país, que precisa continuar crescendo e buscando justiça social e tributária”, disse Gleisi nas redes sociais.
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Aliança entre governo e Dino sobre emendas irrita Congresso
Além do ritmo da liberação das emendas, parlamentares estão insatisfeitos com o que classificam de aliança entre o Executivo e o ministro Flávio Dino, do STF. Em 10 de junho, Dino cobrou explicações da Câmara sobre a destinação das verbas de parte das emendas parlamentares após a Associação Contas Abertas, a Transparência Brasil e a Transparência Internacional Brasil apontarem irregularidades.
Segundo as entidades, haveria uma nova modalidade de destinação de emendas de comissão e de bancada, para as quais o Legislativo teria disponíveis cerca de 8,5 bilhões de reais no Orçamento da União. Para viabilizar a execução dessas emendas, o código de identificação dos pagamentos teria sido alterado a fim de “burlar” as exigências de transparência e rastreabilidade impostas pelo STF.
O pedido feito por Dino irritou o Congresso, que enxergou na ação do ministro um movimento para favorecer o governo Lula e atrasar o pagamento dos recursos. Como o ministro foi indicado pelo atual presidente ao cargo.
Na sexta-feira (27), Motta e Alcolumbre devem se encontrar com Dino para tratar das emendas impositivas. O ministro é o relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que investiga a falta de transparência e rastreabilidade nas emendas parlamentares.
Desde agosto de 2024, Dino vem bloqueando a execução das emendas. Inicialmente, bloqueou as chamadas “emendas PIX”, recurso de natureza especial que é transferido do ministério diretamente para o local indicado pelo parlamentar. O ministro liberou transferências dessa modalidade apenas para obras em andamento e calamidades públicas.
No mesmo mês, ele também suspendeu o pagamento das emendas impositivas após o PSOL questionar a constitucionalidade da obrigatoriedade da execução de emendas parlamentares individuais e de bancada. Os recursos só foram liberados em dezembro, quando Dino determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) auditasse os repasses. Já neste ano, o magistrado também bloqueou emendas para a Saúde e universidades federais.
Oposição celebra derrota do governo sobre decreto do IOF
Parlamentares da oposição comemoraram a derrubada do decreto que aumentava o IOF e classificaram a decisão como uma resposta direta ao que chamam de abusos fiscais do governo Lula. Para eles, a vitória representa um marco de resistência contra o aumento da carga tributária.
“Essa vitória é do povo brasileiro, que disse basta ao confisco disfarçado promovido pelo governo do PT”, declarou o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara. Ele criticou a postura do presidente Lula, afirmando que “preferiu afrontar o Congresso e, acima de tudo, afrontar o povo”. Segundo Zucco, o resultado da votação é um recado claro: “O tempo da submissão acabou”.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) também celebrou a decisão e reforçou o impacto do imposto na vida cotidiana. “Chega de impostos! […] A população não pode pagar a conta da incompetência fiscal do governo!”, afirmou a senadora nas redes sociais, prometendo que o Senado confirmará a decisão da Câmara.
Já a deputada Bia Kicis (PL-DF) destacou o placar expressivo da votação. “Vitória do Brasil! Com um placar de 383×98, conseguimos derrubar o decreto do governo Lula para aumento do IOF”, comemorou na rede social X.
A Frente Parlamentar da Agropecuária também se manifestou sobre a votação no Congresso e disse que “mais imposto significa mais custo pra quem produz, quem consome, e pra quem já sente o peso da inflação no mercado. Não dá mais pra empurrar a conta pro povo. Essa vitória mostra que dá, sim, pra ter responsabilidade fiscal sem castigar ainda mais o bolso do brasileiro. Seguimos atentos e cobrando: menos impostos, mais eficiência”, disse a entidade na mesma rede social.
Já a deputada Carol de Toni (PL-SC) afirmou que o Legislativo fez o que a população esperava ao derrubar o decreto que elevava o IOF. “Hoje, o Congresso fez o que o povo espera: reagiu. Pelo Brasil real, que paga a conta de tudo isso. E essa vitória é só o começo. Toda vez que o governo tentar passar por cima da população, não terá êxito. Enquanto tentarem sufocar a economia, estaremos aqui para defender quem carrega o país nas costas”, disse a parlamentar.
Congresso atende ao setor produtivo ao derrubar IOF
A irritação do mercado também serviu como elemento de pressão do Congresso contra o Palácio do Planalto, visto que o IOF não é imposto arrecadatório. Em carta aberta publicada no último dia 12, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), comandada pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), destacou que o aumento do IOF impacta o setor produtivo como um todo.
“O aumento do IOF sobre remessas internacionais também agrava o quadro. A cobrança atinge royalties da biotecnologia, operações entre tradings e matrizes, franquias de alimentação e cadeias logísticas, criando novos custos em praticamente todos os elos do agro. O impacto é direto no produtor rural e em toda a cadeia agroindustrial, comprometendo o abastecimento interno e a competitividade do Brasil no exterior”, disse a entidade em nota.
Antes da votação do PDL, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) disse que o problema não é apenas o imposto em si, mas o momento e o impacto sobre a população. “O governo parece que não se tocou ainda […] de que o que a Câmara e a população estão reagindo não é ao aumento do IOF em si […] É ao aumento de imposto, é ao aumento de carga tributária. Nós não aguentamos mais o aumento de carga tributária”, afirmou o parlamentar.
Segundo ele, o imposto atinge diretamente os mais pobres, mesmo que indiretamente. “Tudo que ele compra, tudo que chega na mesa dele, passou por algum tipo de operação financeira. Se aumentar este IOF, aumenta o valor das coisas, da comida, desde o pãozinho de cada dia”, concluiu.
Governo culpa Congresso pela falta de arrecadação
Outro fator que motivou os parlamentares a seguirem em frente com o projeto foi a entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à Record, na qual ele voltou a defender a medida do IOF como uma política de justiça social, e que vai atingir apenas “os moradores da cobertura”. A declaração foi mal-vista nos bastidores do Centrão, já que coloca o governo como “defensor dos mais pobres”, enquanto ao Congresso seria o “defensor dos mais ricos” nessa narrativa criada pelo governo.
Já se antecipando à derrota na Câmara, o governo buscou intensificar a narrativa no Plenário da Casa. Durante a discussão do requerimento que pedia a retirada do PDL da pauta, a deputada Érica Kokay (PT-DF) disse que existe uma tentativa deliberada de barrar qualquer avanço em direção à justiça tributária.
“Está-se construindo uma tentativa de impedir a taxação dos ricos neste País, dos ricos”, afirmou a parlamentar. Para ela, o PDL aprovado na Câmara é uma tentativa de blindar grandes fortunas. “Aqui o que se vê é uma tentativa de proteção das grandes fortunas dos super-ricos, daqueles que não contribuem com o País, embora ganhem muito, às custas do próprio Brasil”, criticou.
Em coletiva de imprensa antes da votação do PL, nesta quarta-feira, o líder do PT na Casa, o deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que a mudança no IOF forçará o governo a contingenciar cerca de R$ 12 bilhões do Orçamento ainda neste ano, afetando diretamente áreas sociais.
“Isso vai significar corte no Minha Casa Minha Vida, na educação, na saúde. O governo fez um esforço de contingenciar R$ 30 bilhões, sendo R$ 20 bilhões cobertos com o IOF. Sem isso, não há alternativa a não ser cortar mais”, alertou.
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