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Tudo o que observamos na natureza pode ser medido com uma única constante, o segundo

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Com informações da Agência Fapesp – 10/01/2025

Tudo o que observamos na natureza pode ser medido com uma única constante, o segundo

Constante fundamental

Pesquisadores brasileiros estão propondo uma nova abordagem para um debate que se arrasta há décadas entre os físicos: Quantas constantes fundamentais são necessárias para descrever o universo observável? Aqui, a expressão “constantes fundamentais” refere-se aos padrões básicos necessários para medir tudo e qualquer coisa.

Eles afirmam que o número mínimo de padrões necessário para medir qualquer coisa na natureza depende do tipo de espaço-tempo adotado – e, no espaço-tempo relativístico, basta o padrão de tempo.

A proposta é assinada por George Matsas e Vicente Pleitez, ambos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Saa, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Daniel Vanzella, da USP (Universidade de São Paulo).

A história toda começou em 1992, quando três físicos renomados, Michael Duff, Lev Okun e Gabriele Veneziano, se encontraram no CERN, a organização europeia para pesquisa nuclear que administra o LHC. Em uma conversa informal, eles divergiram em relação ao número de constantes fundamentais. As divergências continuavam em 2001, quando os três voltaram a se encontrar. Foi quando decidiram publicar um artigo descrevendo o problema e a postura de cada um.

Em resumo, Okun afirmou que três unidades básicas – metro (comprimento), quilograma (massa) e segundo (tempo) – eram necessárias para medir todas as grandezas físicas, reafirmando o chamado Sistema MKS (M, de metro; K, de quilograma; S, de segundo), posteriormente incorporado ao Sistema Internacional de Unidades (SI). Veneziano, por sua vez, argumentou que, em certos contextos, bastariam duas unidades: Uma para o tempo e outra para o comprimento. Duff não ficou nem lá nem cá, afirmando que o número de constantes poderia variar dependendo da teoria em questão.

O grupo brasileiro discutiu longamente o assunto, e agora publicou suas conclusões: “O objetivo é buscar a descrição mais fundamental possível da física. A questão que Okun, Duff e Veneziano levantaram não é, de forma alguma, trivial. Como físicos, somos confrontados com a necessidade de entender qual é o número mínimo de padrões de que precisamos para medir tudo,” contextualizou Matsas.

Tudo o que observamos na natureza pode ser medido com uma única constante, o segundo

Não se esqueça da chamada constante “mágica” do Universo, que recentemente alcançou o valor mais preciso já medido.
[Imagem: Cladé/Guellati-Khélifa/Aoyama]

Medindo o Universo só com o tempo

Os pesquisadores brasileiros sustentam que a quantidade de constantes fundamentais necessárias para descrever a natureza depende do espaço-tempo em que as grandezas físicas são consideradas. Eles analisaram dois tipos de espaço-tempo: O galileano, sobre o qual Isaac Newton (1642-1727) construiu a mecânica clássica, e o relativístico, que oferece o substrato para a teoria da relatividade geral de Albert Einstein (1879-1955).

Há vários espaço-tempos relativísticos, que correspondem a diferentes soluções das equações de Einstein. O mais simples deles é o espaço-tempo de Minkowski [Hermann Minkowski (1864-1909)]. Trata-se de um espaço-tempo vazio (livre de partículas e tudo mais), homogêneo (em que todos os pontos apresentam as mesmas propriedades) e isotrópico (em que todas as direções espaciais se equivalem). Algo aparentemente tão distante da realidade é usado para simplificar os cálculos, mas os pesquisadores garantem que as conclusões a que chegaram podem ser generalizadas para qualquer espaço-tempo relativístico.

“No espaço-tempo galileano, são necessárias réguas e relógios para medir todas as variáveis físicas. No espaço-tempo relativístico, porém, relógios são suficientes. Isto porque, na relatividade, o espaço e o tempo estão de tal forma interligados que basta uma única unidade para descrever todas as grandezas. Relógios de alta precisão, como os relógios atômicos utilizados atualmente, são capazes de atender a todas as necessidades de medição,” defende Matsas.

Ou seja, até mesmo no espaço-tempo galileano já é possível uma simplificação de grandezas fundamentais que deixa a massa de fora. “Historicamente, a partir de um esforço de padronização adotado durante a Revolução Francesa (1789-1799), o quilograma foi definido como sendo a massa de um litro de água pura em determinada condição de pressão e temperatura. Em termos práticos, é muito conveniente ter um padrão de massa, mas, do ponto de vista fundamental, ele não é necessário,” afirma Vanzella. “A massa de um corpo é dada pela aceleração com que uma partícula é atraída quando está a uma certa distância da massa.”

Tudo o que observamos na natureza pode ser medido com uma única constante, o segundo

Sistema internacional de medidas

Em sua versão atual, o Sistema Internacional de Unidades (SI) utiliza sete unidades básicas: metro (comprimento), segundo (tempo), quilograma (massa), kelvin (temperatura), ampere (corrente elétrica), candela (intensidade luminosa) e mol (quantidade de moléculas ou átomos).

“Mas essas unidades são básicas apenas porque atendem a objetivos práticos. Por exemplo, se alguém precisa comprar uma lâmpada, o número de candelas informa quanta intensidade luminosa essa lâmpada deverá fornecer. Porém, há muito tempo é sabido que essas unidades apresentam redundâncias, isto é, que muitas delas podem ser definidas a partir de outras. Após uma revisão realizada em 2019, essas unidades passaram a ser associadas a constantes da natureza, como a velocidade da luz [c] e a constante de Planck [h],” detalhou Matsas.

Pelo critério usado por Duff, Okun e Veneziano, o número de constantes fundamentais está relacionado ao número mínimo de padrões independentes necessários para expressar todas as grandezas físicas. Assim, no espaço-tempo de Galileu todos os observáveis podem ser expressos em termos de unidades de tempo e espaço, que, usualmente, são o segundo e o metro. Nos espaços-tempos relativísticos, a unidade de tempo – o segundo – é suficiente.

E a definição de “segundo” é estabelecida, atualmente, a partir de uma constante da natureza: A diferença de energia entre dois níveis específicos da camada eletrônica do césio-133. Um segundo (1s) corresponde ao tempo de 9.192.631.770 oscilações da radiação emitida quando um elétron transita entre esses dois estados do césio-133. “Qualquer artefato capaz de contar com regularidade 9.192.631.770 oscilações dessa radiação terá medido 1s e poderá ser considerado um relógio honesto,” detalhou Matsas.

“O veredito de que um observável seja ou não uma constante da natureza é absoluto, pois é proclamado pelos relógios honestos, que precisam existir para que o próprio conceito de espaço-tempo faça sentido. Mas a eleição de qual ‘constante fundamental’ será usada para defini-los é uma construção social e histórica que depende da conveniência,” ressaltou Vanzella.

Bibliografia:

Artigo: The number of fundamental constants from a spacetime-based perspective
Autores: George E. A. Matsas, Vicente Pleitez, Alberto Saa, Daniel A. T. Vanzella
Revista: Nature Scientific Reports
Vol.: 14, Article number: 22594
DOI: 10.1038/s41598-024-71907-0

Artigo: Trialogue on the number of fundamental constants
Autores: Michael J. Duff, Lev B. Okun, Gabriele Veneziano
Revista: Journal of High Energy Physics
DOI: 10.1088/1126-6708/2002/03/023

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