No cenário do anonimato e da segregação digital, emerge o fenômeno da denunciação autoperformativa. Ou seja, a união entre a certeza desubjetivada de quem acusa e a adesão performativa de quem ecoa, a “realidade” performativa e “verdade” denunciada.
É a conjunção entre a emergência do sofrimento suprimido historicamente na linguagem, como descrito por Lélia Gonzalez**, e a noção de performativo desenvolvida pela filosofia da linguagem, a partir de John Austin***, para designar o poder que as palavras tem de fazer coisas, criar mundos e transformar estados mentais.
Isso aparece na série baseada na novela de Renée Knight e estrelada por Cate Blanchet. A trama gira em torno de um incidente, ocorrido vinte aos antes, quando a protagonista e seu marido estavam na Itália com o filho pequeno. O marido, “herdeiro” e anódino, precisa regressar a Londres.
*** Contém spoilers a partir daqui ***
O incidente tem duas versões. Nas duas, Jonathan morre afogado, sem que Cate esboce qualquer reação — o que é objeto de massacre de opinião.
A primeira foi escrita pela mãe de Jonathan e é parte da elaboração de seu luto melancólico: Cate teria seduzido o rapaz em uma noite tórrida de sexo, atestada por fotos comprometedoras, tiradas durante um jogo erótico promovido por ela. No dia seguinte, movido pelos efeitos de apaixonamento, ele arrisca sua vida, heroicamente, para salvar Nicholas, o filho dela, que foi levado pela correnteza para o alto mar. Ele salva o menino, mas se afoga no processo. Cate, ao recuperar seu filho, permanece calada e não avisa às pessoas que Jonathan não tinha voltado.
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